Uma história inacabada de um suicídio na metade. MOREIRA, Isa Lorena vergasta. Ficção, Literatura.

Parte 6

Decididamente me perdi. Escrever essa maldita carta me fez adiar três dias a minha partida e quando parei seriamente para questionar porque merda estou escrevendo tudo isso, pensei em desistir, mas não consegui. Tenho a impressão de que uma explosão de cores passou por aqui a poucos instantes, mas não me atrevi a levantar a cabeça para olhar. Ontem, depois que escrevi a última frase, lia e relia tudo e me sentia cada vez pior, cada vez mais abstrata e adormeci pensando no velho, na minha mãe e em tudo que deixei de fazer nesses 29 anos... Faltam dois dias para o meu aniversário e definitivamente tenho de me concentrar. É incrível a minha capacidade de desconcentração, incrível como não consigo levar adiante absolutamente nada. Isso lembra todos as tentativas de relacionamento que tive. Dois, na verdade. Mas eu não queria conversar sobre nada, só queria trepar e acabou. Não sentia nada além de tesão. Gostava de fingir que era estuprada, era quando tudo ficava mais excitante. Acho que era resquício dos devaneios com o meu padrasto. Sempre que me enfiavam um pau na boca era o gosto dele que eu sentia. Mas não era bom... Porque era uma mistura de repulsa e atração e os caras nunca entenderam nada. O primeiro se apaixonou por mim, otário. Pedia pra explicar o que eu sentia, chorava jurando que me amava. Até o dia em que inventei que ele era um corno idiota e que o velho era na verdade o meu amante. Nesse dia ele me comeu de verdade. Puxava meu cabelo com tanta força enquanto me comia de quatro que gozei umas três vezes sem parar. Depois me bateu na cara com o próprio pau enquanto me chamava de puta. E quanto mais eu gostava, mais ele enlouquecia, até desistir de tudo aquilo me largar quase desmaiada no chão dizendo que eu era um monstro. Eu não era. Sei que não era. Mas ele era medíocre demais pra entender tudo aquilo.
O outro durou um pouco mais de dois meses. E no começo foi engraçado porque inventei uma outra pessoa e ele acreditava em tudo o que eu dizia. Eu tinha 25 e ele 30. E o imbecil acreditava que eu era semi-virgem e chupava uma buceta como poucos. Daí que uma vez me empolguei e lhe fiz um boquete inesquecível. Mas no final o fulano veio me atormentar pra saber onde eu tinha aprendido a chupar daquele jeito. Me deu vontade de cuspir na sua cara na hora. Mas eu jurei que lhe contava se ele me fizesse gozar só com a ponta da língua e depois de satisfeita multipliquei em 100 os seis ou sete filmes pornôs que já tinha visto na vida.

Parte 5

À beira do precipício, tudo em lento suicídio. Essa frase me veio agora, de súbito.
Vamos continuar.

Sempre fui fascinada pelo suicídio. Pensei em morrer afogada, eletrocutada, sufocada por gás... São muitas opções. Quase todas foram descartadas por serem pouco poéticas e darem trabalho aos que ficam. Não é o que quero. E também não quero uma morte sofrida, passar horas e horas sentindo dor, nada disso. Ouvi dizer que na internet, pessoas ensinam algumas técnicas de suicídio. Tentei uma vez procurar essas pessoas, mas não é tão fácil assim, e em lan house, fica caro demorar. Decidi então eu mesma preparar minha despedida, à minha maneira. Ainda não decidi a técnica que vou usar, afinal. E também não tenho essa pressa toda de ir embora. Penso até em ir visitar o velho antes de partir, sem lhe contar nada, claro. Apenas ir lá, dar uma espiada em como está...
Ele mora ainda na mesma casa, mas desde que saí de lá, tem uns três ou quatro anos já, só fui lá duas vezes. Da última vez achei que ele finalmente ia me comer, pois me sentou em seu colo e me abraçou forte e eu não resisti e me esfreguei até sentir seu pau endurecer. Eu estava excitadíssima, mas quando levantei e sentei de frente pra ele, olhou nos meus olhos e de súbito, me jogou no chão e deu um tapa em minha cara. Não lhe disse nada, apenas fui embora. Vou embora sem entender aquele velho.

Parte 4

O velho me dava comida e livros. Em troca, eu limpava toda casa, lavava suas roupas e muitas vezes, pegava ele me espiando pelas frestas. Mais de uma vez me insinuei, até me masturbei na sala uma vez, enquanto ele servia o nosso jantar. Mas ele não fez nada, fingia que não via, nunca encostou um dedo em mim. Até que desisti. Nunca entendi porque havia me escolhido, se não queria me comer. Mas isso já não me importa mais, agora. Nada me importa mais, agora. Eu só quero ir embora dessa vida mesmo, sem culpa, sem sentimentalismos baratos. Mas sempre achei fantástica essa idéia de escrever cartas de suicídio. Depois botar numa garrafa e jogar no mar... Ou mesmo mandar para um endereço qualquer da lista telefônica, uma coisa louca assim. Enquanto não decido o que fazer, vou escrevendo.

O Velho nunca me disse a idade. Não conversávamos. Uma vez descobri em uma gaveta, cinco identidades diferentes e entendi um pouco, a solidão que havia alí. Talvez nem ele soubesse mais quem era. Nunca o vi com nenhuma mulher; não tinha fotografias, cartas, vestígios. Era só ele e a casa.
Um dia resolvi sair de casa pra arranjar um emprego. Tinha 20 anos já. Disse ao velho o que ia fazer e ele deu de ombros. No dia seguinte havia ao meu lado, na cama, uma roupa nova, num embrulho. Todas as suas atitudes eram indescritíveis, já não me atormentavam. Lavei o corpo e me vesti; ele já não estava mais em casa. Na geladeira, um bilhete: “Bom dia e boa sorte, pequena”. Era como me chamava, quando estávamos a sóis.
Andei muito aquele dia, percorri ruas e lojas em busca de algo a fazer. Por fim, numa lanchonete, perto de casa, um senhor mandou voltar no outro dia, bem cedo, ele disse, depois de fazer inúmeras perguntas sobre minhas procedências. Depois de três meses, fui demitida. O patrão descobriu que eu roubava alguns temperos da cozinha. De lá pra cá já passei por tantas outras lanchonetes que até perdi a conta. Faz um ano que não arranjo nada...
Engraçado, faz três dias que escrevo essa carta de suicídio. E hoje, pela primeira vez em muito tempo, questionei minha idéia. Não a de me matar, a de continuar essa carta, mesmo...

Parte 3

Imagine: eu queria escrever apenas uma carta de despedida e nem isso sou capaz. Quero contar quem eu sou. Sei lá, vai que um dia vira novela! É... Eu sei que nem tem como acontecer isso. Mas, são 29 anos bem intensos, os meus. Já que vou embora e ninguém me conhece nesse mundo de verdade, então é melhor escrever mesmo. Vamos lá.
A maior parte dos trabalhos que arranjei foi de garçonete. Mas sempre me pegava com os fregueses, que passavam do limite da ousadia. Eu não sou muito alta, tenho um corpo bonito, mas não gosto das minhas pernas; acho elas finas demais pra todo o resto, principalmente comparada à minha bunda, que é meio grande.

Depois que minha mãe morreu, morei uns dois anos com minha avó, até ela morrer também, dormindo. Ninguém entendeu porque eu não chorei quando a velha morreu, mas eu não sentia nada mesmo por ela. Eu apanhava muito. De cinto, de madeira, de tudo que ela via pela frente e ia me atacando quando tava nervosa. O dinheiro que minha mãe deixou, serviu para estudar em escola particular até os 15 anos. Depois já não queria mais ir pra escola, só gostava de ler os livros que escolhia. Eu passava os dias em casa, trancada, sozinha, depois que minha avó morreu. Quase não tomava banho, quase não comia, só ficava lendo, lendo, fingindo que as histórias que lia era minha própria vida.
Um dia aconteceu de um velho aparecer por lá, guiado pelos visinhos, e dizendo que precisava de alguém pra trabalhar na casa dele, que ele também vivia sozinho, queria ajuda. No começo eu recusei, mas ele voltava todos os dias pra fazer a mesma proposta. Até o dia que me injuriei com aquilo e esperei ele em casa nua, deitada de perna aberta na cama. Ele entrou e ficou me olhando, com a porta fechada atrás de si. Eu chamei, disse a ele que sabia o que queria; que ele ia ter sem pagar nada, depois ia embora, me deixar em paz, já não agüentava mais aquele homem todo dia atrapalhando minhas leituras. Pois ele veio andando devagar, chegou perto de mim, fechou minhas pernas e sentou na cama ao meu lado.
Nunca tinha sido tão humilhada. Ele pediu mais uma vez que fosse morar com ele. Disse que eu lembrava a filha dele, que tinha sumido quando era pequena ainda; ele não queria me comer. Estava indignada, não sabia o que fazer. Mas disse pela primeira vez que ia pensar. Pedi que deixasse escrito sobre a mesa o endereço e não aparecesse mais, até eu decidir o que fazer. Ele o fez. Naquele dia, tudo que vivi passou na minha cabeça, as brincadeiras de infância, eu, excitada, olhando os meninos jogar bola, o meu padrasto, que me fazia sentar no seu colo quando minha mãe não estava em casa. Às vezes eu sentava sem nem ele mandar, não sabia exatamente o que sentia, mas era gostoso e sempre ficava com sono depois. Ele cantava para mim e eu o adorava até o dia que ele me fez sangrar por três dias seguidos. Nunca contei pra minha mãe. Não sei se ela ia acreditar em mim...
Dei a resposta ao velho seis dias depois, porque ele sumiu como prometeu e eu, sem entender muito bem, senti falta de suas visitas diárias. Era como se na hora em que ele me importunava todos os dias, eu sentisse um vazio... Vai entender as ambigüidades humanas. O fato é que fui até lá. O velho morava numa casa bonita, grande até, a poucos quarteirões da minha. Parei, vacilei por um instante, pensei em voltar. Respirei fundo e toquei a campainha: aquele som estridente rasgou minha alma. Ele abriu a porta e antes de dizer qualquer coisa, segurou minha mão e me pôs pra dentro. Eu sentia um misto de tesão e raiva. Não queria estar alí, mas já não tinha outra opção.
Ele sumiu casa adentro e eu alí, parada, olhei as infiltrações, respirei toda poeira, observei o sofá, verde, descascado em um dos braços, me imaginei alí deitada, me esfregando. Olhei a mesa grande, de seis lugares, as cadeiras forradas de plástico e um cinzeiro numa bancada, com restos de cigarros mal fumados. Tudo estava muito sujo e até fedia. Mas naquela meia luz uma esperança me veio, bêbada, de que aquele era o lugar perfeito para esconder minhas angústias.


Parte 2

Certo, deixa eu explicar, porque você que vai ler isso aqui, não deve estar entendendo nada...
Tenho 29 anos e não quero fazer trinta. Cansei de não ter ninguém perto de mim, de me sentir tão sozinha e sem propósito nessa vida... Não tenho parentes, meus avós morreram jovens e a grana que minha mãe me deixou acabou faz tempo. Não gosto de trabalhar, já arranjei uns trampos e tal, mas sempre tenho um problema grande e sou demitida. Sei lá, não sei fazer quase nada nessa vida, só gosto assim, mais ou menos é de escrever. Eu escrevia muitas cartas para ninguém. Ninguém mesmo. Escrevia para um amigo imaginário, que só existe mesmo na minha vontade. Não tenho como arranjar dinheiro e não quero me prostituir.
Já trepei por grana sim, mas duas vezes só. Uma vez, trepei com o cara porque tava afim e ele quando foi embora deixou dinheiro pra mim sem eu pedir. Eu dei risada, achei graça, pensei que as coisas seriam fáceis assim... Mas de outra vez fiz o mesmo e no final, quando dei o preço, o filho da puta me socou tanto, que fui parar no posto com uma costela quebrada e toda arrombada, porque ele enfiou por trás com muita força, enquanto me batia, me xingava e eu ainda sentia tesão naquela merda toda. Deixei de tentar entender meus desejos já faz tempo... Mas depois disso aí eu não trepei mais por dinheiro.
Já saí com gente bacana por afinidade, já tive alguns amigos até. Mas depois fui ficando sozinha, cada um seguindo sua vida e eu fiquei subjetiva, presa em mim mesma. Cheguei a pensar que meu problema era com homem e não com a vida, aí trepei com uma menina e achei aquilo a coisa mais gostosa do mundo, até ela enfiar uma banana na minha buceta e eu entender que precisava de pica também pra sobreviver... Então comecei a comer quem aparecesse.
Uma vez eu meio que me apaixonei por uma menina. Ela era linda e me sugava, parecia que queria me encaixar nela, uma coisa louca assim. E nós trepávamos o tempo inteiro, ela tinha dinheiro, tinha uma família grande, morava numa casa bacana... Fui dormir algumas vezes lá, conhecia todos, menos seu pai, que vivia viajando a trabalho. Ninguém sabia que ela era lésbica. Eu dormia no quarto de hóspedes, era ao lado do seu. Ficávamos até tarde assistindo filme no seu quarto, cobertas, enquanto nos masturbávamos. A porta ficava sempre aberta e vez ou outra alguém passava em frente. Ela não achava estranho, mas eu sempre acreditei que todos desconfiavam de seus desvios sexuais. Além do mais, que mãe não desconfiaria de uma filha que, aos 17, não falasse de meninos?
Uma vez estávamos lá, assistindo um filme qualquer e ela, ensandecida, queria mais do que me enfiar os dedos. Queria me chupar. Enfiou-se nas cobertas e estava lá, com a cara enfiada na minha xoxota, quando passa a empregada, que parou em frente a porta e ficou nos olhando, estarrecida. A coberta desenhava seu corpo preso ao meu e eu, de pernas abertas, gozava feito louca, tapando os gritos com a mão e a cabeça para trás. Havíamos esquecido o mundo. O resultado foi uma série de chantagens posteriores, inclusive a que eu mais gostava: a de que tínhamos que deixa-la nos ver fudendo sempre que desejava, enquanto se masturbava freneticamente em nossa frente.
Eu já estava enlouquecida de tesão por tudo aquilo e um dia não resisti e fui na casa sem avisar. Entrei pela cozinha e dei com a empregada sozinha. Agarrei-a por trás, enfiando minhas mãos em suas coxas. Ela estava me esperando, eu sabia. Ninguém se contenta em só olhar por muito tempo... Então a Ana descobriu, depois de muitas fodas com a outra, que eu freqüentava sua casa quando ela não estava. Louca, atacou a empregada com uma faca e me ameaçou também.
Nenhuma foda vale uma vida, foi o que decidi naquele instante.

Parte 1

Precisei descobrir sozinha o meu senso de moralidade. Perdi minha mãe aos treze anos, vítima de cirrose, alcoólatra; meu pai, nunca vi. Minha mãe dizia que por medo de que nos matasse, ele fugiu depois que nasci. Era doente, possessivo, um lunático, nunca soube bem.
Fui gerada de uma única foda, na garagem da visinha, com quem meu pai era casado. Minha mãe tinha 16 e ele, 34 anos. Minha mãe dizia que morria de tesão por ele, que vivia rebolando em sua frente e ele fingia que não via; aí um dia não resistiu e comeu ela em casa mesmo, no gramado do quintal, enquanto a mulher cantarolava na cozinha. Urrava feito bicho e tampava sua boca, machucando ela todinha. Mas ela contava que gostou tanto, tanto, que nunca mais trepou igual. Mas depois daquele dia, ele não queria mais. E ela fazia um monte de loucuras pra chamar sua atenção. Até ficar amiga da mulher dele ela ficou. Aí descobriu que estava grávida e mentiu pro pai que tinha sido estuprada e ficou com medo de dizer a verdade, traumatizada. Minha mãe era uma vadia. Mas das boas. Só dava pra quem queria.
Eu também. Dei sempre pra quem eu quis, mas tinha que parecer limpo, se não eu não chupava e eu sempre gostei de chupar tudo, até fazer gozar. Porra... Eu não queria falar muita putaria aqui, era pra parecer até romântico, afinal, é minha carta de despedida...